Formação Docente em tempos de cibercultura: que tal educar em vez de apenas ensinar?

(Lucia Maria Martins Giraffa, Daiane Modelski, Cristina Martins)
Plano de Aula em tempos de Cibercultura

Ainda precisamos de professores considerando a abundância de informações/conteúdos disponibilizados em diferentes formatos? Qual o papel do(a) professor(a) neste contexto?

A nossa resposta é “com certeza”, porém com algumas ressignificações. Acreditamos que a formação docente deve considerar as necessidades e oportunidades ofertadas pela cibercultura, na qual a (re)invenção de práticas sociais e culturais humanas amplia funções cognitivas, ressignificando comportamentos, hábitos e atitudes. Discutimos o papel do docente frente ao contexto ubíquo de ofertas de informações e formatos de entrega/consumo desta informação, buscando apontar fragilidades e potencialidades de pensar a formação docente para atender as demandas da cibercultura, sem necessariamente perder a questão mais ampla da formação não utilitarista e fragmentada associada ao consumo de tecnologias. Refletimos, também, sobre as oportunidades possíveis neste contexto para o protagonismo docente, fazendo com que os professores se percebam parceiros dos seus estudantes na jornada da construção do conhecimento. Entendemos que a docência vai requerer, cada vez mais, a elaboração de práticas pedagógicas criativas, levando em consideração o contexto no qual o estudante se encontra.

Objetivos

  • refletir acerca do papel docente frente ao contexto ubíquo de ofertas de informações;
  • compreender as linguagens e os formatos que devem ser considerados para entrega/consumo desta informação;
  • analisar criticamente a formação docente atual versus adaptações/mudanças a fim de propor elementos para eventuais mudanças nos currículos de formação docente.

Índice

1. O contexto da cibercultura e suas nuances

Você que está lendo este livro, ao chegar neste capítulo, o que espera? Uma receita de como formar um professor? Uma discussão sobre a organização curricular adotada nos diferentes cursos de licenciatura e pedagogia? Ou nosso título lhe proporcionou alguns minutos para pensar na diferença entre ensinar e educar?

Pois saiba que vamos conversar sobre tudo isso e mais um pouquinho. Queremos compartilhar com você e seus colegas as experiências vividas, leituras efetuadas e lições aprendidas. Não seremos prescritivas e vamos deixar alguns pontos para que você, juntamente com seus colegas, possa discutir a respeito do assunto. Iniciaremos nossa conversa relembrando alguns aspectos importantes e colocando-os na perspectiva em que queremos conversar com você. Vamos lá!

Sempre utilizamos algum tipo de tecnologia no ambiente escolar. Giz, caneta, lápis, papel, mimeógrafo, flipchart, projetor de slides, retroprojetor e muitos outros são exemplos disso. O advento do “computador” provocou muitas modificações na sociedade, mas nada se compara ao surgimento da internet e seus serviços. Começamos ligando computadores em rede num mesmo espaço físico, depois em espaços físicos diferentes, ampliando as distâncias até chegar à rede mundial. E agora vivenciamos tempos da IoT (Internet of Things).

IoT, a Internet das Coisas (ou, em inglês, Internet of Things)

A ideia-base da IoT é desenvolver tecnologias que permitam conectar dispositivos eletrônicos utilizados no dia a dia (como aparelhos eletrodomésticos, eletroportáteis, máquinas industriais, meios de transporte etc.) à internet. É um esforço que envolve campos diversos do conhecimento, tais como automação, eletrônica, inteligência artificial e a nanotecnologia.

Internet das Coisas
As “coisas” que compõem a IoT
Fonte: Rodrigo Cristaldo- Educação Online da PUCRS – criada para este texto

Nesse contexto, é intuitivo constatar que, cada vez mais, surgem novas formas de se comunicar, alterando, assim, a forma como percebemos o mundo, o tempo, os espaços, os sentimentos, a forma de viver, de se relacionar e, também, aprender. Com o passar dos anos, uma descoberta potencializa outra próxima e sempre em prol de maximizar a inteligência e a capacidade de o homem evoluir e se reinventar. A ubiquidade sai da teoria, das entidades etéreas e passa a fazer parte do nosso cotidiano. Nossos dispositivos móveis, com acesso à internet, nos permitem estar conectados 24 x 7 dias da semana (24 horas por dia e 7 dias por semana). Esse fato muda o paradigma de acesso à informação, à produção de conhecimento e, por consequência, afeta o nosso modo de aprender. Logo, devemos refletir o que isso implica para nós professores e futuros professores ao atuar na docência diante de um contexto tão dinâmico, promissor e desafiador.

Essas tecnologias digitais com acesso à internet nos permitem publicar, escolher, opinar, criar, influenciar, isto é, distribuir o poder do controle da informação produzida entre as pessoas, transformando o cenário de criação, publicação e distribuição de informações e conteúdo no mundo (LÉVY, 1999). Nesse sentido, uma transformação social ainda em curso perpassa o ciberespaço, visto que “o mundo presencial é o mundo das escolhas. O ciberespaço não é o mundo das escolhas, por isso ele se coloca apenas como democracia dentro de ciberespaço. Se eu não gosto do teu site, eu vou para o outro. Eu não preciso optar” (AMADEU, 2009, p.72).

Neste cenário, as juventudes destacam-se pelos movimentos de visibilização que fazem de si, dos espaços digitais e das estratégias de comunicação que desenvolvem, uma vez que “as juventudes têm muitas faces, inundam diferentes paisagens com diversidade, destilam suas falas em diferentes espaços, desafiam em sua irreverência o status quo” (LACERDA, 2012, p. 572). Lévy (1999, p. 92) destacou, há quase duas décadas, que “a inteligência coletiva é o motor da cibercultura”, e o que motiva uma pessoa são as conexões que ela pode realizar. Percebe-se que o mundo digital evolui rapidamente, e as pessoas, principalmente os jovens, criam suas necessidades a partir de tecnologias que se incorporam em suas vidas, por meio de redes sociais, tecnologia de voz, tecnologia mobile, realidade virtual, realidades mistas, games, e-books, entre outros.

O ciberespaço surge como um lugar para demarcar uma identidade juvenil privilegiada pelas inúmeras possibilidades que se apresentam nas redes sociais. Para entender o que é identidade, usamos a definição de Castells (2016, p. 78): “processo pelo qual um ator social se reconhece e constrói significado principalmente com base em determinado atributo cultural ou conjunto de atributos, a ponto de excluir uma referência mais ampla a outras estruturas sociais”. Ou seja, o conceito de identidade está ligado a uma construção individual do conceito de si, enquanto a identidade social trata do conceito de si a partir da vinculação da pessoa a grupos sociais. A flexibilidade de navegar pelo mundo e socializar em tempo real opiniões, imagens, emprego/trabalho, aspectos da vida privada etc. expressa uma dinâmica de relações intensas que nos aproxima e nos afasta de pessoas e culturas em uma mobilidade nunca vivenciada antes. Pais (2003) caracteriza esta geração como “ioiô”, numa rica metáfora que traduz bem a ideia da vida inconstante das gerações atuais. Antes, as identidades estavam fortemente marcadas por questões de regiões, bairros, praças, escolas etc. “Não há dúvidas de que a internet, se a olharmos sob o foco das identidades, converteu-se num ‘laboratório’ para a realização de experiências com as construções e reconstruções do ‘eu’ na vida pós-moderna, porque, na realidade virtual, de certa forma moldamo-nos e criamo-nos a nós mesmos.” (HENGEMÜHLE, 2014, p. 32)

CINECLUBE: A rede social
A Rede Social Disponível no YouTube
O filme nos mostra os caminhos e descaminhos percorridos por Mark e seus amigos, relacionado com o sucesso (inesperado) da brincadeira de criar condições para colegas de campi universitários poderem falar de si e que acabou gerando o império do Facebook.

O Facebook, lançado em 4 de fevereiro de 2004, hoje é propriedade privada da Facebook Inc. Em julho de 2017 ele atingiu a marca de 2 bilhões de usuários ativos, sendo por isso a maior rede social em todo o mundo. Zuckerberg e amigos deram “vida” ao famoso “15 minutos de fama” desejado por grande parte das pessoas.

Ele permitiu indivíduos inexpressivos, invisíveis, sem voz e sem “lugar no mundo” serem vistos, ouvidos e percebidos. Os benefícios do uso do Facebook podem ser diversos, e na recente primavera árabe ele foi fundamental para romper o cerco de governos totalitários no que concerne ao acesso e à divulgação de informações.

Recomendamos esse filme porque retrata a história por trás do maior fenômeno de comunicação da contemporaneidade. Assista-o e discuta com seus colegas os dilemas morais e éticos, assim como a repercussão disso nas nossas vidas. Sabia que um brasileiro fez parte do projeto original?

DEBATE: As redes sociais podem ser um espaço para “fazermos” educação?

Um debate é uma atividade que permitirá realizar reflexões complementares com seus pares e auxiliará o grupo a entender as origens do fenômeno contemporâneo que protagonizou a todos que dele participam, transformando-se na maior e mais ativa rede social digital do planeta. Divida sua turma em grupos de até 5 estudantes (o número dependerá do tamanho da turma, ok?) e peça a cada grupo que faça uma pesquisa sobre o uso do Facebook como espaço para “se fazer” educação. Depois cada grupo apresenta suas escolhas, verifica se houve convergências, apontando o que foi comum e explicando os critérios da sua escolha. Ao final, o grupo decide que critérios considerou importantes para que um perfil/página seja tido como “educacional” no sentido mais tradicional do termo. Ou seja, um elemento organizado intencionalmente para divulgar informações/conhecimentos a serem utilizados em processos formativos/educativos.

Vale outra dica: uma boa leitura sobre o tema pode ser encontrada por meio de pesquisas em acervos digitais. Se você deseja fazer uma busca com finalidade acadêmica (produzir um TCC – Trabalho de Conclusão de Curso – dissertação, tese), sugerimos o Google Acadêmico, Scopus, Scielo, ResearchGate, Ibict, Portal da Capes e outros.

2. Espaços digitais como lócus para “se fazer” educação

No Brasil, bem como em outros países ocidentais, a educação básica e a educação superior vêm enfrentando problemas de eficácia e eficiência, o que tem a ver com um cenário heterogêneo em termos de oportunidades. Muitos projetos, incentivos e ações têm sido realizados na comunidade brasileira, nestes últimos 30 anos, a fim de incentivar o uso de Tecnologias de Informação e Comunicação (TICs) no ambiente escolar (ANDRADE; ALBUQUERQUE, 1993). Relembrando o pioneiro projeto Educom (Educação por Computadores) descrito por Andrade e Albuquerque (1993), encontramos uma proposta de trabalho interdisciplinar voltada para a implantação experimental de centros-piloto, como instrumentos relevantes para a informatização da sociedade brasileira, visando à capacitação nacional e a uma futura política para o setor. Ou seja, falar em TICs (Tecnologias de Informação e Comunicação) na escola não é algo novo. Já possuímos uma tradição na área de informática na educação. Temos várias linhas de pesquisa de cunho interdisciplinar em diferentes áreas e programas de pós-graduação, não necessariamente na educação. Levamos certo tempo para investigar os desafios e as possibilidades advindas das TICs no ambiente escolar à luz da vertente educacional.

Gostaríamos que a adoção de práticas pedagógicas criativas e inovadoras fosse a vertente/tendência consolidada na qual docentes e estudantes trabalhassem juntos numa parceria a fim de que o “ensinar” fosse substituído pelo “educar”. Ensinar, na sua etimologia latina, vem de insignare, gravar, colocar uma marca em. O termo latino educare é composto pela união do prefixo ex, que significa “fora”, e ducere, que quer dizer “conduzir” ou “levar”. Segundo o dicionário etimológico, o significado do termo (direcionar para fora) era empregado no sentido de preparar as pessoas para o mundo e viver em sociedade, ou seja, conduzi-las “para fora” de si mesmas, mostrando as diferenças que existem no mundo. Se pensarmos no sentido positivo, podemos deixar uma marca em alguém pelo exemplo, pela conduta, pelos ensinamentos, oriundos de reflexões e plenos de sentido, em que o indivíduo, ao passar pela experiência escolar, agrega significância, competências para resolver problemas do cotidiano, muda o seu acervo pessoal para poder ser mais feliz nas suas escolhas. No entanto, parece que optamos por ensinar deixando marcas de conteúdos, formatos, regras, prescrições. E centramos a formação docente na organização de revisar/adquirir conteúdo e aprender métodos e técnicas para ensinar. Por essa razão colocamos no título deste capítulo a provocação para reflexão de que o que gostaríamos de fazer (ou entendemos como nossa função como docentes) é superar esta visão reducionista da atividade docente. Neste “mar” de ofertas digitalizadas é fácil se perder. Como saber se a informação é correta, completa, confiável, adequada?

Constatamos, ao longo de muitos anos trabalhando na docência (escola e universidade) e na pesquisa em Informática na Educação, que as pessoas não fazem transposição direta dos seus hábitos de lazer para os hábitos escolares. Ou seja, parece que se comportam muito bem no ciberespaço para buscar uma receita, comprar ingressos, jogar sozinhos ou on-line, manter seus perfis e posts atualizados nas redes sociais. Enfim, as pessoas “não vivem” mais fora do ciberespaço, e muitas delas refugiam-se no mundo virtual criado nos múltiplos espaços e, em diversas ocasiões, fugindo de uma realidade com a qual não estão satisfeitas.

E como fica o ensino e a aprendizagem neste “novo” e instigante contexto? As estratégias metodológicas, os espaços de produção e construção do conhecimento utilizam os recursos e a cultura dos estudantes como elementos de apoio para as atividades de ensinar? Estamos promovendo e instigando comportamentos inovadores, criativos na formação docente? Existem muitos projetos e ações no país que lutam para sair da “mesmice” e investem em formatos alternativos para fazer educação. Essas iniciativas de cunho inovador, que fogem ao tradicional ou formal, integrando equipes interdisciplinares com agentes oriundos da academia e de diferentes setores, vêm sendo incentivadas no formato conhecido por startups, em que muitas delas estão ofertando soluções (ou alternativas) para problemas/situações típicas do contexto educacional.

Startups brasileiras da área de educação
Exemplo de sites de startups brasileiras da área de educação
Fonte: Autoras (2018)

Por motivos ainda a serem efetivamente investigados, as pessoas fazem uma separação entre o mundo “lá fora” e o mundo da escola. Nosso desafio como docentes é trazer os hábitos adotados fora da escola para dentro dela. É buscar que as pessoas se relacionem com o conhecimento de uma forma divertida, porém consistente e com cuidado “científico” (não significa formalismo excessivo). Preconizamos uma escola na qual aprender seja instigante e prazeroso. Na qual o que se aprende na escola possa ser levado para o cotidiano e nos acompanhar vida afora. Queremos, além de uma revisão curricular relacionada com conteúdos, preparar os futuros docentes para serem agentes de transformação da sua realidade e de seus estudantes. Pleiteamos uma formação em que o docente eduque e não apenas ensine.

Mas tem um probleminha nessa linha de raciocínio: os professores que formam os futuros professores nem sempre demonstram coerência nas suas ações formativas. Muito discurso e prática descontextualizada. Entendem que utilizar tecnologias é parte do mundo contemporâneo e, no entanto, vários deles não deixam os estudantes usarem os dispositivos móveis nas aulas e proíbem interação com qualquer tipo de artefato conectado à internet. Temos ainda uma cultura baseada na presencialidade e oralidade no que tange ao trabalho docente. Existe, também, a crença de que o respeito e a aquisição de conhecimento estão alicerçados no comportamento passivo de recepção, por parte do aluno, o qual deve ficar olhando e ouvindo alguém falar. Evidentemente, se você está lendo este livro, está recebendo outra formação e pode achar que isso não é mais verdade. Entretanto, nosso país é enorme e diverso em termos de oportunidades e formações. Nossa! Quanta coisa ainda para pensar e… mudar!

ATIVIDADE: Hábitos e comportamentos dentro e fora da escola; eles diferem?

Reúnam-se em grupos de no máximo 6 estudantes. Gostaríamos que você discutisse com seus colegas se eles se comportam no estudo de forma semelhante à que se comportam para resolver seus problemas cotidianos. Num primeiro momento (rapidinho), pense nas seguintes situações: quantos colegas (e até mesmo você) costumam acompanhar a aula e usar um dispositivo para fazer consultas acerca de um termo, palavra ou expressão que vocês nunca tinham ouvido? Você é incentivado a fazer uso dos artefatos para consultas on-line? Seu(Sua) professor(a) se incomoda com isso? Façam uma lista de situações, atitudes e comportamentos relacionados com o uso de dispositivos móveis que vocês acreditam contribuir e atrapalhar na aprendizagem. Depois desse registro, façam uma anotação única com a síntese das opiniões de todos, apontando apenas aquelas que são comuns. Depois reflitam o quanto ficou “dentro” e o quanto ficou “fora” no resultado.

3. A formação docente em xeque: formamos os docentes no perfil que precisamos?

Para Tardif (2014), a prática profissional dos professores “[…] torna-se um espaço original e relativamente autônomo de aprendizagem e de formação para os futuros práticos, bem como um espaço de produção de saberes e de práticas inovadoras pelos professores experientes” (p. 286). A formação profissional do professor precisa ser redirecionada para a prática, ou seja, em termos teóricos, necessita organizar-se em função da formação cultural e da formação científica vinculadas a essa prática. Logo, consideramos aqui a cibercultura. Dessa forma, “[…] a inovação, o olhar crítico, a ‘teoria’ devem estar vinculados aos condicionantes e às condições reais de exercício da profissão e contribuir, assim, para a sua evolução e transformação” (p. 289). Esses três elementos são essenciais na formação do professor reflexivo. (TARDIF, 2014).

Tardif e a formação docente

Assista ao vídeo em que Tardif fala sobre a formação docente e a prática profissional dos professores:

Fonte: https://www.youtube.com/watch?v=g2CBsGGVZOE

A formação inicial do professor vem a ser sua primeira vivência acadêmica no ensino superior, enquanto futuro profissional da educação, por meio da formação em um curso de graduação (licenciatura). Na visão de Tardif (2014), essa fase deve habituar os futuros professores à prática profissional e fazê-los práticos reflexivos. Já a educação continuada se caracteriza por ações formativas que contribuem para o desenvolvimento profissional, neste caso, de professores em exercício que já passaram pela formação inicial (licenciatura). Tais ações podem se dar por meio de interação com os pares, reuniões pedagógicas e integradoras, cursos rápidos e palestras, entre outros.

Neste sentido, Tardif (2014) e Imbernón (2009) apontam alguns desafios a serem considerados na formação dos professores no que diz respeito às concepções e às práticas vigentes:

[…] reconhecer que os professores de profissão são sujeitos do conhecimento é reconhecer, ao mesmo tempo, que deveriam ter o direito de dizer algo a respeito de sua própria formação profissional. (TARDIF, 2014, p. 240)
[…] se o trabalho dos professores exige conhecimentos específicos, a sua profissão deveria, em boa parte, basear-se nesses conhecimentos. (TARDIF, 2014, p. 241)
[…] a formação para o ensino ainda é enormemente organizada em torno das lógicas disciplinares. (TARDIF, 2014, p. 241)
“[…] é necessário que a formação transite para uma abordagem mais transdisciplinar, que facilite a capacidade de refletir sobre o que uma pessoa faz, pois isso permite fazer surgir o que se acredita e pensa, que dote o professor de instrumentos ideológicos e intelectuais para compreender e interpretar a complexidade na qual vive e que o envolve. (IMBERNÓN, 2009, p. 97)

Morin, Carvalho e Almeida (2013) apontam outra categoria ou fase da formação docente em que o currículo de formação inicial deve prepará-lo, sendo ela denominada autoeducação. “É necessário que se autoeduquem [os professores] e eduquem escutando as necessidades que o século exige […] A reforma do pensamento contém uma necessidade social-chave: formar cidadãos capazes de enfrentar os problemas de seu tempo”. (MORIN; CARVALHO; ALMEIDA, 2013, p. 23-27).

Centremos agora nossas reflexões na questão da inclusão das tecnologias como vetores de apoio ao trabalho docente e discente. Em tempos de cibercultura, como pudemos visualizar nas ideias defendidas por Tardif, significa considerar o conjunto de competências que um professor deve evidenciar para organizar suas aulas, atividades tanto presenciais como não presenciais com seus estudantes. O que vemos como tendência é falar em educação apoiada por tecnologias, aqui enfatizando aquelas associadas à internet e seus serviços, apresentada neste capítulo como o recorte das tecnologias digitais (TD).

Os problemas enfrentados no ambiente físico e organizacional da escola que luta por recursos para manutenção, segurança, baixos investimentos e incentivos efetivos à docência (salários, formação docente continuada e outros) são fatores também determinantes para o retardo na incorporação das tendências tecnológicas que já permeavam o cotidiano de outras áreas da sociedade. O olhar cauteloso para não só verificar o que efetivamente poderia advir da adoção deste tipo de recurso (sistema computacionais), mas, especialmente, compreender o potencial pedagógico de tais recursos nos levou (educação) a não incorporar de imediato essas questões nos currículos de formação de professores. Com a disseminação da cibercultura (LEVY, 1999), nos deparamos com possibilidades e um novo espaço para se fazer educação. Não nos moldes tradicionais, sem aqui desmerecer ou imputar qualquer inferência negativa ao fato de haver tradição ou adoção de recursos clássicos na escola (quadro, giz, slides ou recursos analógicos que amplamente utilizamos). O ciberespaço estabelecido pela rede internet e seus serviços agrega alternativas para se fazer educação de uma maneira que não havíamos considerado ou formado.

Mídias digitais na contemporaneidade

Santaella (2013, p. 21) destaca que “a internet é um cérebro digital global que, graças às plataformas de redes sociais – Facebook, Linkedin, Twitter etc., estas que se constituem no mais recente estouro do universo digital –, transmite publicamente relações, interesses, intenções, gostos, desejos e afetos dos usuários registrados nessas plataformas, em processos de acesso e compartilhamento incessantes e velozes.”

Assista à videoaula de Lucia Santaella sobre as mídias digitais:

Fonte: https://www.youtube.com/watch?v=8_laAMh74IY

O ciberespaço nos rodeia, nos envolve e, atualmente, com os dispositivos móveis (tablets, smartphones e computadores portáteis), não existem mais fronteiras físicas para o acesso à informação. Cria-se a ubiquidade da comunicação, que nos permite ter o mundo na ponta dos dedos. Santaella (2013, p. 22) explica que:

ao leve toque do seu dedo no celular, em quaisquer circunstâncias, ele pode penetrar no ciberespaço informacional, assim como pode conversar silenciosamente com alguém ou com um grupo de pessoas a vinte centímetros ou a continentes de distância. O que lhe caracteriza é uma prontidão cognitiva ímpar para orientar-se entre nós e nexos multimídia, sem perder o controle da sua presença e do seu entorno no espaço físico em que está situado.

Se o computador tipo desktop (aquele que fica em cima da mesa, o clássico), desconectado da internet, nos idos anos 80 do século XX, suscitava discussões na academia, nada se compara ao advento da internet, que interligou todos os computadores de maneira a criar este espaço de troca coletiva. Já não bastasse esse desafio, nos deparamos agora com os dispositivos móveis que nos permitem acessar o que desejamos, onde estivermos e não mais restritos ao espaço físico. Evidente que as reflexões aqui colocadas intencionalmente não levam em conta as questões de inclusão, fazendo um recorte para a realidade na qual o cenário da cibercultura se estabelece de maneira ampla. Então, considerando a cibercultura, a ubiquidade e os dispositivos móveis, descortina-se mais um cenário de possíveis transformações na forma de ensinar e de aprender.
E a formação docente neste cenário, como fica? Sabemos que a formação docente inicial apresenta fragilidades, sendo uma delas possibilitar vivências ao futuro professor para a composição/criação de práticas pedagógicas contextualizadas à cibercultura. A formação continuada vem dando suporte às possíveis defasagens da formação inicial, mas até que ponto está suprindo as necessidades esperadas de desenvolvimento profissional? Que competências docentes necessitam ser desenvolvidas? Esperamos uma formação docente que prepare o futuro professor para o aprender a aprender constante. Para isso, discutiremos algumas possibilidades de competências docentes que o prepare para atuar na cibercultura.

4. Competências docentes e cibercultura

Muitas são as competências que precisam ser desenvolvidas ou aprimoradas quando tratamos da formação inicial e continuada de professores. Contudo, as quatro competências que buscamos focar relacionadas com a atuação docente, no contexto da cibercultura, são aquelas que se articulam aos elementos essenciais na formação do professor reflexivo, no caso inovação, olhar crítico e teoria, definidos por Tardif (2014).

Formar pessoas competentes sempre foi um desafio da humanidade, e a escola é um dos espaços estratégicos para o desenvolvimento das capacidades necessárias para viver e conviver no cenário contemporâneo. No entanto, entende-se que o modelo de escola, de professor e das práticas pedagógicas necessita de reformulações, de uma nova visão e compreensão da sociedade que estamos construindo (HENGEMÜHLE, 2014). O que se deseja é desenvolver competências que permitam ao indivíduo conseguir resolver situações-problema, buscar soluções, ser criativo, empreendedor, reflexivo, crítico, ético, com valores morais e uma visão sistêmica.

A docência neste cenário complexo exige do professor uma postura de mediador de aprendizagens; logo, pressupõe uma atitude diferente da convencional. O professor deixa o papel de “informador”, o que centraliza a informação, que fazia sentido quando o acesso à informação era difícil (MORAN, 2015). Com o surgimento da internet, esse acesso tornou-se mais fácil, visto que interliga as coisas e as pessoas com o mundo por meio de redes sociais, tecnologia de voz, tecnologia mobile, entre outros. Ser mediador, nesse contexto, significa envolver-se no processo de aprendizagem, acompanhar, orientar e avaliar para redimensionar. Ensinar e aprender são como as duas faces de uma mesma moeda, pois a didática não pode tratar do ensino sem considerar a aprendizagem (HAYDT, 2006).

Perrenoud (2000) reforça o olhar para a formação docente que necessita incorporar as Tecnologias Digitais de Informação e Comunicação (TDICs) nas reflexões sobre as relações sociais e as conexões que dela nascem na prática docente. O termo cibercultura remete a uma relação entre as tecnologias de comunicação, informação e a cultura, emergentes a partir da convergência informatização/telecomunicação na década de 1970. Trata-se de uma nova relação entre as tecnologias e a sociabilidade, configurando a cultura contemporânea (LEMOS, 2002).

Usar TDICs como apoio implica revisitar as questões de didática e com ela as mudanças de concepção de educação que entrelaçam o perfil do docente. Formar professores e formar-se como professor é um processo que envolve reflexão constante sem perder de vista as razões pelas quais se desenvolve um trabalho e o comprometimento no desenvolvimento de competências necessárias para viver e conviver em sociedade.

Logo, uma competência necessária em tempos de cibercultura é a “Fluência Digital”, a qual, segundo Modelski (2014), está relacionada com o uso de recursos tecnológicos para desempenhar atividades presenciais e virtuais. Essa competência refere-se à utilização dos recursos tecnológicos de modo integrado, diferenciando-se do conceito de alfabetização digital. Alfabetização digital é o desenvolvimento de habilidades e a construção de conhecimentos para usar software e artefatos digitais. A fluência digital é mais do que isso. É criar propostas de uso com base em necessidades identificadas pelo professor, utilizando esses recursos. Para desenvolver fluência digital, é fundamental ser alfabetizado digitalmente.

COMPETÊNCIA – FLUÊNCIA DIGITAL
Refere-se à utilização dos recursos tecnológicos para desempenhar atividades presenciais e virtuais. Essa competência diz respeito ao emprego dos recursos tecnológicos de modo integrado, em que o professor faz uso dos artefatos e produz conteúdo/material por meio desses artefatos de forma crítica, reflexiva e criativa. Sendo assim, quanto mais contato com os recursos e mais familiaridade o professor adquire, mais se ampliam as possibilidades de uso.
Conhecimentos Teóricos/tecnológicos sobre ferramentas/recursos/artefatos.
Habilidades Explorar, buscar, selecionar, produzir.
Atitudes Ter iniciativa para buscar inovações e sempre se manter atualizado.
Fonte: Modelski (2014), adaptado de Behar (2013, p. 168).

Identificamos, em nossas pesquisas, outra competência que intitulamos de “Práticas Pedagógicas”, a qual está relacionada com as ações desenvolvidas pelo professor no processo de ensino e aprendizagem, em disciplinas semipresenciais, embora se acredite que estas práticas possam ser aplicadas tanto em contextos presenciais quanto virtuais.

COMPETÊNCIA – PRÁTICAS PEDAGÓGICAS
Está relacionada com as ações desenvolvidas pelo professor no processo de ensino e aprendizagem. É necessário educar pelo exemplo, por meio de estratégias didáticas que proporcionam a construção do conhecimento;estar aberto para aprender com os pares, dominar o conteúdo e buscar inovar a prática docente de forma constante. Desse modo, a transposição didática ou a adequação das necessidades reais ocorre conforme as finalidades pedagógicas.
Conhecimentos Conhecimentos sobre “como” ensinar, “para quem” ensinar, “o quê” ensinar e “por quê” ensinar.
Habilidades Fazer e refazer a sua prática de modo crítico e criativo; estabelecer a relação entre experiência do aluno e conhecimento teórico/científico; planejar as atividades docentes, levando em consideração o perfil e os estilos de aprendizagem dos alunos; interpretar dados e informações, buscando mediar o processo de ensino e aprendizagem; dominar a sala de aula.
Atitudes Ser reflexivo, proativo, crítico, responsável, autônomo, acolhedor e mobilizador.
Fonte: Modelski (2014), adaptado de Behar (2013, p. 168).

Além das competências “Fluência Digital” e “Práticas Pedagógicas”, defendemos a necessidade de elas se articularem com a competência “Planejamento”, a qual se refere ao domínio metodológico para criar situações de aprendizagem. Ela requer organização, pesquisa, tempo de estudo e criatividade para propor estratégias didáticas que atendam aos objetivos e às metas preestabelecidos. Nesse sentido, tais competências se interligam porque o contexto social tecnológico interfere nas ações e no planejamento docente.

COMPETÊNCIA – PLANEJAMENTO
Refere-se ao domínio metodológico para criar situações de aprendizagem. Requer organização, pesquisa, tempo de estudo e criatividade para propor estratégias didáticas que atendam aos objetivos e às metas preestabelecidos.
Conhecimentos Planejamento, contexto, potencialidades e fragilidades.
Habilidades Sistematizar, avaliar, analisar.
Atitudes Ser proativo, claro e articulador.
Fonte: Modelski (2014), adaptado de Behar (2013, p. 168).

Por fim, a competência “Mediação Pedagógica” estabelece as condições para que o conhecimento seja construído. Requer flexibilidade no planejamento, diálogo, propostas e mediação de situações-problema que desencadeiem interações sobre o conteúdo em questão. Deve demonstrar interesse, dedicação e responsabilidade sobre as ações sugeridas. Dessa forma, articula-se com as competências “Fluência Digital”, “Prática Pedagógica” e “Planejamento”, porque pressupõe que o professor assuma um papel nos processos de ensino e de aprendizagem no qual ele seja o mediador das interações na construção do conhecimento por parte de seus estudantes.

COMPETÊNCIA – MEDIAÇÃO PEDAGÓGICA
Estabelece as condições para que o conhecimento seja adquirido. Requer flexibilidade no planejamento, diálogo, propostas e mediação de situações-problema que desencadeiem interações sobre o conteúdo em questão. Deve demonstrar interesse, dedicação e responsabilidade sobre as ações propostas.
Conhecimentos Processo de aprendizagem/construção de conhecimento, didática, domínio de conteúdo.
Habilidades Escrita de forma clara, objetiva e coerente, uso de vocabulário adequado, análise e mediação de situações.
Atitudes Ser respeitoso, acolhedor, responsável, atento, proativo e flexível.
Fonte: Modelski (2014), adaptado de Behar (2013, p. 168).

Logo, preconizamos que existe uma correlação entre essas competências fundamentais, que pode ser representada da seguinte forma:

Correlação entre competências
Correlação entre competências
Fonte: Modelski (2014)

Sacristán (1999) afirma que o professor faz a ponte de mediação entre o aluno e a cultura, e que seu nível cultural interfere nessa relação. Masetto (2002, p. 144) define como: “[…] a atitude, o comportamento do professor que se coloca como um facilitador, incentivador ou motivador da aprendizagem que se apresenta com a disposição de ser uma ponte entre o aprendiz e sua aprendizagem […]”. Nada de “muito novo” naquilo que você já tem lido ou lerá. Porém, é sempre importante relembrar. Se isso já estivesse incorporado nas nossas discussões e no cotidiano daqueles que formam futuros docentes, teríamos muito menos problemas além daqueles que enfrentamos relacionados com a valorização social do docente.

Formação docente

Assista ao vídeo com as ideias de Sacristán sobre formação docente:

Fonte: https://www.youtube.com/watch?v=262of4liGlI

Cabe, neste ponto da leitura, destacar que estamos focando nos aspectos relacionados com a discussão a respeito de como formar professores mais afeitos às demandas de uma sociedade fluida em comportamentos e acelerada na produção de conhecimentos. Intencionalmente desconsideramos os aspectos de formação ética, moral, filosófica e ideológica inerentes em qualquer organização curricular. Tudo isso, de certa forma, está contemplado na nossa fala, mesmo que tangenciado.

Fala-se em uso de tecnologias digitais, criação/adaptação de práticas pedagógicas integradoras que contemplem a cultura dos estudantes, relacionadas com o lazer e a vida cotidiana, mas necessitamos garantir que o espaço escolar esteja pronto para isso. Senão, é por demais frustrante na hora de colocar em prática tudo aquilo que se planejou. Pressupõe-se que a infraestrutura da escola dê conta de toda essa demanda. Devemos ter ações coordenadas para atingir resultados melhores do que temos hoje. No que tange à infraestrutura, precisamos ter acesso à internet de qualidade, uma banda que comporte acesso a diferentes mídias e uso simultâneo de várias pessoas sem perda de qualidade da performance. Utopia? Talvez. Mas tudo que escrevemos até agora também pode ser entendido assim?

DEBATE: Quais as competências de um(a) professor(a) para atuação na cibercultura?

Gostaríamos que você discutisse com seus colegas se é necessário agregarmos mais elementos à lista já apresentada. Perguntamos: quais competências são mais importantes (prioritárias) e quais as secundárias para atuação na cibercultura? Para isso, sugerimos que você consulte as referências indicadas e também faça uma pesquisa no Google Acadêmico. Defina com seus colegas que expressões devem ser usadas na busca. Façam sucessivos refinamentos até obterem uma lista que reflita o pensamento do grupo.

Depois, um bom desafio… Que tal pensar um pouco “fora da caixinha”?

Considere que tais competências podem ser mais amplas. Consulte o Projeto Convexo. E sugerimos a leitura do livro O foco triplo: Uma nova abordagem para a educação. Você verá que a discussão acerca da formação docente vai além do currículo!

Ensinar, no contexto atual, exige certa ousadia, aliada a distintas competências. Entende-se que a sociedade mudou; logo, a escola também precisa mudar. Mas essa mudança não deve ser somente em sua infraestrutura e organização curricular, mas, principalmente, na atuação do professor. É sabido que os cursos formadores de professores (graduação) estão vivenciando uma fase de transição. Eles adaptam, currículos e tentam dar conta das inúmeras demandas exigidas nesses tempos de grandes mudanças e com ricas possibilidades.

Planejar ações para a formação docente se tornou ainda mais complexo, pois é necessário inserir componentes importantes na construção de um perfil que compreenda os seus novos papéis, como o de aprender a aprender. O problema é que não temos modelos prévios como base, tendo em vista que nossa formação foi pautada em uma sociedade analógica. Percebe-se o quanto emergente é pensar na formação docente em tempos de cibercultura. Precisamos cada vez mais compartilhar nossas experiências positivas para que outros possam se beneficiar e, assim, colaborar com os estudos sobre a formação docente. Entender o contexto de sociedade e o que as mudanças tecnológicas estão provocando, no cenário atual, é fundamental para acompanharmos no mesmo compasso o que estamos fazendo dentro e fora da sala de aula.

As metodologias ativas configuram-se como potenciais para a inovação porque permitem que os estudantes sejam colocados no papel de sujeitos ativos na construção do conhecimento. A função do professor ganha um destaque ainda maior, pois a ele compete o papel de estrategista no planejamento de ações que possibilitem interações do processo de aprendizagem. Nessa perspectiva, abordam-se características de uma metodologia ativa, a sala de aula invertida, para discutir o papel das tecnologias digitais e as possibilidades de inovação da aula.

5. Algumas considerações para pensar acerca de mudanças na formação docente

Os achados resultantes de nossas investigações, vinculadas ao Grupo de Pesquisa ARGOS – Grupo de Pesquisa Interdisciplinar em Tecnologias Digitais e Educação a Distância –, mostraram que a formação docente para trabalhar no contexto da cibercultura não ocorre apenas pela instrumentalização relacionada com o uso e a adoção de determinada tecnologia, e sim da formação crítica e pedagógica. Ou seja, além de instrumentalizar o professor, é necessário organizar oficinas, seminários e espaços de discussão nos quais as boas práticas possam ser discutidas, tanto aquelas produzidas na instituição em que o futuro docente está sendo formado, como fora dela. A organização de cursos formativos não pode contemplar somente aspectos instrucionais, relacionados com a aquisição de habilidades para uso de dispositivos e aplicativos. A complementação e/ou atualização docente contempla aspectos temporais de curto e longo prazo. Ou seja, existem situações que podem ser resolvidas a curto prazo, como por exemplo aprender a usar uma lousa digital ou outro recurso comprado pela escola. No entanto, a discussão crítica e a criação/adoção de práticas pedagógicas relacionadas com o artefato vão requerer um trabalho de formação contínua e sistemática, que deve começar pela formação de base (graduação) e estender-se ao longo de toda a atividade docente. Cabe salientar que tecnologias obsoletam e se modificam, fazendo com que tenhamos de desenvolver uma atitude de constantes aprendizes.

O fato de um aluno levar seu smartphone (celular com várias funcionalidades de acesso à internet) para a sala de aula fará com que o “mundo do estudante” vá junto com ele. Como trabalhar com este desafio? Como delimitar o que pode e o que não pode “entrar” na sala de aula? Isso vai requer novas posturas e constantes reflexões e atualizações da maneira como nos relacionamos com os ambientes virtuais e presenciais. A cibercultura é muito mais do que usar TD. É considerar o indivíduo e suas relações com o mundo virtual.

Negar o acesso à informação ofertada pelos meios digitais pode causar conflitos na relação estudante-professor que poderiam ser contornados por meio de uma discussão crítica ou adoção de estratégias inclusivas das TDs no espaço escolar.

Negar o uso aos estudantes dos artefatos por desconhecimento de suas possibilidades e sem a devida discussão crítica não nos levará a resolver os problemas que emergem neste contexto novo para a escola. A solução passa pelo planejamento do professor, o qual deve ser crítica e devidamente preparado para este novo cenário.

Resumo

Mapa Mental
Mapa Mental das ideias do capítulo
Fonte: Das autoras, desenvolvido com Coggle

Você acabou de ler nosso capítulo em que buscamos não só apresentar o contexto da cibercultura e suas interlocuções com a educação mas, especialmente, fornecer elementos de reflexão acerca das implicações deste cenário ubíquo, multifacetado em termos de formatos para organização e disponibilização de informações/conhecimentos. O papel do professor continua sendo o de elemento partícipe na construção do conhecimento dos seus estudantes. Porém, destacamos a necessidade de (res)significarmos didaticamente o uso das tecnologias digitais, bem como o entendimento das potencialidades e possibilidades das diversas técnicas, metodologias e estratégias que podem ser combinadas, adaptadas e utilizadas nos diferentes contextos educacionais (ambientes virtuais e presenciais). A formação docente precisa dialogar com as necessidades advindas da cultura digital; nesse sentido, buscamos colaborar para sua reflexão acerca deste importante tema.

Live-palestra-conversa

Live-palestra-conversa sobre este capítulo, realizada no dia 22/7/2021 no programa Conecta (CEIE-SBC):

Registro da live-palestra-conversa com o autor deste capítulo

Fonte: https://youtu.be/R66PdTnrRXk


Leituras Recomendadas

Avaliação da aprendizagem numa abordagem por competências
Avaliação da aprendizagem numa abordagem por competências
(SCALLON, 2017)
O livro foi organizado com o propósito de ser utilizado como recurso para a formação de professores, ao tratar avaliações e competências de forma articulada e com sentido de realidade Apresenta clareza conceitual, tratamento de diferentes dimensões, riqueza de exemplos, questionamento permanente e debate de controvérsias. Além de seu sentido formativo, reforçado por resumos de tópicos e exercícios de ilustração, ele também pode ser considerado um texto de referência, dada a variedade de abordagens que revela para fundamentos e práticas, bem como o cuidado com que estabelece terminologias, definições e tipologias.
Educação na era digital: a escola educativa
Educação na era digital: a escola educativa
(GÓMEZ, 2015)
Como aprendemos a viver, pensar, decidir e agir na atmosfera densa e mutante da era digital global? Que papel está ocupando a escola convencional neste processo? É possível ter uma escola verdadeiramente educativa, que ajude cada indivíduo a se construir de maneira autônoma, sábia e solidária? Nesta obra, Ángel I. Pérez Gómez explora o que significa aprender a se educar no complexo contexto contemporâneo e defende o desenvolvimento de uma escola educativa — um espaço público para ajudar cada cidadão a construir-se como pessoa “educada”, apta a escolher e desenvolver o seu próprio e singular projeto de vida nos âmbitos pessoal, social e profissional.
Saberes docentes e formação profissional
Saberes docentes e formação profissional
(TARDIF, 2014)
O livro discute os saberes que servem de base aos professores para realizarem seu trabalho em sala de aula. São criticados os enfoques anglo-americanos que reduzem o saber dos professores a processos psicológicos, assim como certas visões europeias tecnicistas que alimentam atualmente as abordagens por competência. Também se posiciona de forma crítica em relação às concepções sociológicas tradicionais que associam os professores a agentes de reprodução das estruturas sociais dominantes.
Metodologias ativas para uma educação inovadora
Metodologias ativas para uma educação inovadora
(BACICH; MORAN, 2017)
O livro apresenta a questão das metodologias ativas, enfatizando a participação efetiva dos alunos na construção do conhecimento e no desenvolvimento de competências. Assim, permite que aprendam em seu próprio ritmo, tempo e estilo, por meio de diferentes formas de experimentação e compartilhamento, dentro e fora da sala de aula, com mediação de docentes inspiradores e incorporação de todas as possibilidades do mundo digital. No livro são mostradas práticas pedagógicas, na educação básica e superior, que exemplificam o protagonismo dos estudantes e estão relacionadas com as teorias que lhes servem como suporte. Os autores reúnem nesta obra, também, ideias de autores brasileiros que analisam por que e para que usar metodologias ativas na educação de forma inovadora.

Exercícios

  1. As metodologias ativas estão associadas ao protagonismo do estudante, dando ênfase à construção da sua aprendizagem. Você já estudou algum material relacionado com as metodologias ativas? Se sim, consegue identificar se você já vivenciou alguma delas como estudante? Exemplifique como foi essa atividade, disciplina ou conteúdo em que ela foi aplicada.
    Caso esteja em dúvida, faça uma busca em outros capítulos da série de livros que compõem esta coleção. A informação deve estar lá. Pode acontecer de não haver uma síntese concentrada em um único capitulo. Ótimo! Mais um desafio para você e seus colegas. Se o tempo ficou “curto”, jogue isso para sua lista de tarefas complementares. Este assunto certamente emergirá em outro contexto da sua formação e você estará, pelo menos, mais preparado(a) para aprofundar a questão.
  2. Sua escola (aquela em que trabalha) propôs algum momento formativo para os docentes discutirem o que mudou e o que permanece no contexto da cibercultura no que tange ao fazer docente?
    Nossa indicação é que você sugira um encontro de docentes, com grupos de no máximo 6 pessoas, no qual você e seus colegas discutam experiências e/ou expectativas relacionadas com a criação/adoção de práticas pedagógicas apoiadas em tecnologias digitais. Façam o encontro em dois momentos: um tempo para os pequenos grupos e depois um momento para comparar o que foi pensado em cada grupo. Certamente, emergirão pontos comuns e aspectos não considerados. Lembrem-se de utlizar as discussões propostas neste texto. Nossa expectativa é que surgirão ótimas ideias e… quem sabe, momentos formativos!
  3. Propomos a seguinte reflexão individual: você acredita que a formação de professores no ensino de graduação (currículo, atividades, estágios e outros) dialoga com as necessidades advindas da cultura digital? A fim de facilitar a reflexão, utilize como base a sua experiência de formação, caso a conclusão do curso tenha ocorrido em até 5 anos. Senão, busque informações relacionadas com o atual currículo e organização do seu curso, para obter respostas de como este tema foi (ou não) incorporado na formação atualmente oferecida.

Referências

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AMADEU, Sérgio et al. Cultura digital.br. 2009. Acesso em: 08 ago. 2017.

BACICH, Lilian; MORAN, José. Metodologias ativas para uma educação inovadora: uma abordagem teórico-prática. Penso Editora, 2017.

BEHAR, Patrícia Alejandra (Org.). Competências em educação a distância. Porto Alegre: Penso, 2013.

CASTELLS, Manuel. A Sociedade em Rede. 17 ed. revista e ampliada. São Paulo: Editora Paz e Terra, 2016.

GARBIN, Elisabete M. Conectados por um fio: alguns apontamentos sobre internet, culturas juvenis contemporâneas e escola. In: Juventude e escolarização: os sentidos do Ensino Médio. Programa Salto para o Futuro–TVE/Escola/Brasil. São Paulo, ano XIX, Boletim, v. 18, 2009. Acesso em: 08 ago. 2017.

GÓMEZ, Ángel I. Pérez. Educação na era digital: a escola educativa. Porto Alegre: Penso Editora, 2015. [onde comprar]

HAYDT, Regina Célia Cazaux. Curso de Didática geral. São Paulo: Ática, 2006. [onde comprar]

HENGEMÜHLE, Adelar. Desafios educacionais na formação de empreendedores. Porto Alegre: Penso, 2014. [onde comprar]

IMBERNÓN, Francisco. Formação docente e profissional: formar-se para a mudança e a incerteza. 7. ed. São Paulo: Cortez, 2009.

LACERDA, Miriam Pires Corrêa de. O impacto da mídia na constituição das juventudes. Atos de Pesquisa em Educação, v. 7, n. 2, p. 565-581, 2012. Acesso em: 08 ago. 2017.

LEMOS, André. Cibercultura: tecnologia e vida social na cultura contemporânea. Porto Alegre: Sulina, 2002.

LÉVY, Pierre. Cibercultura. São Paulo: 34, 1999.

MASETTO, Marcos Tarciso. Professor universitário: um profissional da educação na atividade docente. In: MASETTO, Marcos Tarcísio (Org.) Docência na universidade. 4ª ed. São Paulo: Papirus, p. 9-26, 2002. [onde comprar]

MODELSKI, Daiane. Competências docentes relacionadas ao uso pedagógico de tecnologias digitais: um estudo envolvendo disciplinas semipresenciais. 2014. Dissertação de Mestrado. Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul.

MORAN, José Manuel. Mudando a educação com metodologias ativas. Coleção Mídias Contemporâneas. Convergências Midiáticas, Educação e Cidadania: aproximações jovens, v. 2, 2015. Acesso em: 08 ago. 2017.

MORIN, Edgar; ALMEIDA, Maria da Conceição de; CARVALHO, Edgard de Assis. (Org.). Educação e complexidade: os sete saberes e outros ensaios. 6 Ed. São Paulo: Cortez, 2013.

PAIS, José Machado. Ganchos, tachos e biscates: jovens, trabalho e futuro. Lisboa: Âmbar, 2003. [onde comprar]

PERRENOUD, Philippe. 10 novas competências para ensinar. Porto Alegre: Artmed, 2000. [onde comprar]

SACRISTÁN, Gimeno J. Poderes instáveis em educação. Porto Alegre: ARTMED Sul, 1999. [onde comprar]

SANTAELLA, Lucia, Comunicação Ubíqua: Repercussões na cultura e na educação. São Paulo: Editora Paulus, 2013.

SCALLON, Gérard. Avaliação da aprendizagem numa abordagem por competências. PUCPRess, 2017.

TARDIF, Maurice. Saberes docentes e formação profissional. 17 ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2014.

Sobre as autoras

Lucia Maria Martins Giraffa
Lucia Maria Martins Giraffa
(http://lattes.cnpq.br/8787637274769944)
É professora titular da Faculdade de Informática da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul. Pesquisadora e professora permanente do Programa de Pós-Graduação da Escola de Humanidades/PUCRS desde 2011. Possui graduação em Licenciatura Plena em Matemática pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (1979), graduação em Licenciatura Curta em Ciências pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (1979), Especialização em Análise de Sistemas pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (1987), Mestrado em Educação pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (1991), doutorado em Ciências da Computação pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (1999) e Pós-Doutorado na Universidade do Texas (Austin) no College of Education, Bolsista CAPES, visto J1(2011). Associado da Sociedade Brasileira de Computação (SBC) e da ANPED (Associação Nacional de pesquisadores em Educação). Possui experiência em pesquisa com ênfase em Informática na Educação (IE), especialmente nos seguintes temas: Softwares Educacionais, formação de professores para uso de tecnologias, Educação a Distância e ensino de Algoritmos e Programação para iniciantes. Líder do Grupo de Pesquisa cadastrado no CNPq-ARGOS – Grupo de Pesquisa Interdisciplinar em Tecnologias Digitais e Educação a Distância.
Daiane Modelski
Daiane Modelski
(http://lattes.cnpq.br/1920411639358905)
Doutoranda em Educação pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), bolsista CAPES/PROEX. Mestre em Educação pela PUCRS (2015). Especialista em Educação a Distância pelo Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial SENAC (2009). Graduada em Pedagogia Multimeios e Informática Educativa pela PUCRS (2006). Integrante do Grupo de Pesquisa ARGOS – Grupo de Pesquisa Interdisciplinar em Tecnologias Digitais e Educação a Distância (PUCRS). Professora de graduação e membro do Núcleo de Formação Docente do Centro Universitário Metodista – IPA.
Cristina Martins
Cristina Martins
(http://lattes.cnpq.br/4401305034585527)
Doutoranda em Educação pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul – PUCRS, bolsista CAPES/PROEX. Mestra em Educação (2015) pela PUCRS. Licenciada em Computação (2011) e Especialista em Psicopedagogia Clínica e Institucional (2013) pelo Centro Universitário La Salle – UNILASALLE. Integrante do Grupo de Pesquisa ARGOS – Grupo de Pesquisa Interdisciplinar em Tecnologias Digitais e Educação a Distância (PUCRS). Coordenadora do Núcleo de Informática Educacional do Colégio La Salle Santo Antônio.

Como citar este capítulo

GIRAFFA, Lucia Maria Martins; MARTINS, Cristina; MODELSKI, Daiane. Formação Docente em tempos de cibercultura: que tal educar em vez de apenas ensinar? In: SANTOS, Edméa O.; SAMPAIO, Fábio F.; PIMENTEL, Mariano (Org.). Informática na Educação: fundamentos e práticas. Porto Alegre: Sociedade Brasileira de Computação, 2021. (Série Informática na Educação CEIE-SBC, v.1) Disponível em: <https://ceie.sbc.org.br/livrodidatico/formacaodocente>